Hoje em dia, quase ninguém contesta a importância da concessão de serviços públicos em áreas de infraestrutura e energia, como forma de aumentar os investimentos e melhorar a eficiência do setor. Nas campanhas eleitorais, as “privatizações” costumam ser demonizadas, especialmente contra os tucanos, mas, em seguida, os próprios autores e seus partidos, como o PT, passam a defendê-las e a procurar implantá-las onde vencem as eleições.
Isso aconteceu depois da campanha de 2002, quando o governo Lula impulsionou a lei que modelou as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e prestigiou o modelo de concessões na exploração de petróleo, implantado no governo FHC, que foi o responsável direto pelas descobertas do pré-sal. Ocorreu também depois da eleição de 2006, com as concessões nas estradas federais e na exploração da energia hidrelétrica. Agora, em 2011, o fenômeno se repete, com o anúncio das concessões em aeroportos, um dos belzebus da campanha do ano passado.
No que diz respeito aos interesses do país, o problema principal é a incapacidade do governo federal de fazer as coisas direito e com rapidez em qualquer modelo. Por exemplo, até agora não conseguiram implantar nenhuma PPP, sete anos depois de aprovada a lei, diferentemente de estados como São Paulo ou Minas Gerais.
No seu quinto ano de existência, em 2007, o governo do PT revelou ao país ter colocado em pé o ovo de Colombo na concessão de estradas: conseguiria ótimas rodovias com pedágios baratíssimos e investidores estimulados a promover com rapidez avanços decisivos na infraestrutura. Tudo ao mesmo tempo!
Antes de algo acontecer na vida real, começou a operar uma impressionante louvação ao ineditismo. Diferentemente dos carros e caminhões, a mistificação não precisa de estradas para trafegar. Na época, o entusiasmo foi tamanho que certo detalhe paradoxal acabou minimizado: o petismo sempre criticou as privatizações alheias por supostamente venderem patrimônio público subavaliado. Celebrizou a expressão “preço de banana”. Pois bem, as concessões rodoviárias do governo do PT não foram “a preço de banana”; foram de graça mesmo.
Com o pretexto de reduzir pedágios e estimular o concessionário a fazer rapidamente as obras, o governo entregou as rodovias à iniciativa privada sem ônus. Quem arrematou os lotes não precisou pagar nada, diferentemente de São Paulo, onde a concessão implica uma contrapartida inicial para que o Estado garanta algum retorno do capital que investiu e mantenha sua capacidade de intervenção econômica – no setor e fora dele.
Se o PT estivesse na oposição e o governo oferecesse de graça patrimônio público a agentes privados, denunciar-se-ia o “neoliberalismo selvagem”. Como estava no governo, praticou-o. Se o modelo estivesse funcionando, isso poderia ficar na rubrica dos debates e disputas políticas. Mas não funciona.
Há três meses, reportagem do Estadão mostrou que as coisas não iam bem nas estradas federais privatizadas: falta de obras, acidentes batendo recordes e mau estado de conservação, o que turbina o custo do transporte. Pesquisa recente da Confederação Nacional dos Transportes mostrou que apenas um terço da malha federal pode ser considerado ótimo ou bom. Em São Paulo, 75% das estradas estão nessa categoria.
Mas o governo decidiu agir: tirou o sofá da sala e estendeu para a posteridade os deveres das concessionárias. Como os investimentos não acontecem, deixou de exigi-los. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, a obrigação de a concessionária investir foi remetida às calendas. E as empresas que levaram os trechos de graça, mas não cumpriram os contratos? O governo faz questão de mostrar sua indignação: afrouxou os contratos!
No edital do trecho da BR 101 que corta o Espírito Santo, cuja concessão será licitada, a duplicação poderá ser concluída em 2035. Você não leu errado: 23 anos para o felizardo entregar a duplicação de 418 quilômetros de estrada! Um quilômetro e meio por mês. Não chega a ser estafante. Mesmo assim, a concessão apenas chega ao sul da Bahia (20 km), estado onde a BR 101 se estende por quase mil quilômetros, e é conhecida em vários lugares como a rodovia da morte.
Enfim, estradas ruins e o governo fazendo o jogo de esconde-esconde com as concessionárias. É a típica situação em que o barato sai caro: em São Paulo, na Régis Bittencourt e na Fernão Dias, as obras não chegaram, mas os pedágios subiram bem acima da inflação.
O método de tirar o sofá da sala se repete em outras áreas. O que se passa com a apoteótica promessa do governo Lula-Dilma de aproveitar a Copa do Mundo para dar um salto de qualidade no transporte urbano nas metrópoles? Hoje se tornou mais modesta: decretar feriado em dia de jogo para diminuir o trânsito.
Os aeroportos? Aqui e ali, veem-se um ou outro puxadinho para desafogar a demanda. Planejamento? Mudança estrutural? Benefícios duradouros para as cidades e comunidades? Quase nada. Quanto tempo o governo brasileiro teve para se preparar decentemente para a Copa do Mundo e como o aproveitou?
É o caso de perguntar também: o que ele vai fazer de prático para que as estradas federais atinjam, em prazo razoável, uma condição mais próxima do desejável? Quando os brasileiros terão à disposição rodovias seguras, prontas a receber os motoristas e suas respectivas famílias e suas cargas? É algo que não se avista no horizonte.
Nisso tudo, a fraqueza de gestão, não tanto a ideologia, conta muito. O governo acaba funcionando como escola de administração, onde as pessoas vão mais aprender do que fazer. E há, sobretudo, o estilo patrimonialista de governar, que compreende o uso do setor público como se fosse propriedade do partido, de seus aliados e de algumas corporações. É a privatização viciosa que atrapalha a virtuosa. Por último, a publicidade massiva e a espetacularização permanente – e esta sim competente – das realizações não cumpridas fecham o círculo: ilude o próprio governo, amolece o trabalho e dificulta as soluções.
Editado por: Edison Franco.